Estrabão é o autor clássico que mais detalhes fornece sobre a geografia estuarina do Sudoeste Peninsular na Antiguidade. Distingue perfeitamente esteiros e estuários, tratando apenas dos primeiros e referindo os últimos como vales fluviais e parte integrante dos rios.
Refere a existência de canais artificiais de navegação, correspondendo às situações actuais dos canais e das barras que têm de se manter artificialmente abertos por desassoreamento periódico.
Noticia também a existência de vias terrestres inundadas pelas marés, correspondendo aos trajectos sobre portus que cruzam os esteiros mais perto da foz. Esta deveria ser a situação de numerosos esteiros do Algarve.
Não especifica as rias, referindo-se apenas a esteiros que mantém sempre parte da sua água, por oposição a outros que a perdem na maré baixa. Assinala ainda a existência de ilhas no meio dos esteiros, correspondendo a partes nunca inundadas, de que sabemos hoje terem sido algumas habitadas ou ocupadas por construções.
Refere finalmente a navegação de maré, quer na entrada quer na saída dos esteiros, cujo impulso compara ao obtido pela corrente dos rios. Tal sugere uma navegação fluvial baseada nos "pontos de maré", bem conhecida no Guadiana até ao advento dos barcos motorizados, e que se pode fazer corresponder às estações fluviais romanas identificadas ao longo do rio.
Transcrevem-se excertos da sua Geografia, relativos aos estuários do Golfo de Cádis, organizados por tópicos:
- A configuração da costa do Golfo de Cádis
Toda a terra litoral [da Turdetânia] entre o Promontório Sagrado e as Colunas de Hércules, constitui uma grande planície [uma extensão contínua de terra plana, que se prolonga consideravelmente para o interior]. Em muitos lugares dela formam-se depressões em que o mar penetra por terra dentro, parecidas a ravinas de média profundidade ou vales fluviais e que se prolongam por muitos estádios. (III.2.4)
- A definição de esteiro
Chamam-se esteiros às aberturas do litoral que se enchem com as marés-altas e que, como rios, podem ser navegados até ao interior... (III.1.9)
- A navegabilidade bidireccional ocasionada pelas correntes da maré
Estas depressões são cheias pelas crescidas do mar durante as marés-altas até ao ponto de poderem ser navegáveis por embarcações, não menos que os rios e inclusivamente melhor. Pois a navegação aqui parece-se com a da descida dos rios, já que, por um lado não se produz nenhuma resistência em contrário e por outro, o mar na sua subida empurra as popas, comportando-se como a corrente de um rio. (III.2.4)
- A força das marés e a sua influência no alagamento dos esteiros
Aqui as marés são mais vivas do que noutros lugares... Alguns destes esteiros com efeito esvaziam-se durante as marés baixas, a outros a água não abandona completamente e outros ainda possuem ilhas no seu interior. Tais são os estuários entre o Cabo Sagrado e as Colunas, que têm uma crescida de maré maior que os demais sítios. (III.2.4)
- A subordinação do uso da rede viária terrestre litoral e da navegação estuarina às inundações e marés
As confluências interiores tornam-se também úteis durante as inundações frequentes que cobrem os istmos e fecham os caminhos, ao mesmo tempo que tornam a planície navegável, de modo que as embarcações podem passar dos rios para os estuários e de estes para aqueles. (III.2.5)
- Os esteiros como via navegável e localizações de portos de comércio marítimo e interior
Contribuem para [a exportação] os rios e os esteiros, que como dissemos, são semelhantes a rios e igualmente navegáveis, não só por pequenas embarcações mas também por grandes barcos. (III.2.4)
Assim, conhecedores...que os estuários proporcionavam as mesmas vantagens que os rios, [os habitantes] estabeleceram nas suas margens cidades poderosas e outras fundações. Entre elas encontram-se Asta, Nabrissa, Onoba, Ossonoba, Mainoba e muitas outras. Para além disso, em alguns lugares abriram-se canais, originados pela existência de pontos de partida e chegada de tráfego comercial, tanto interior como exterior. (III.2.5)
- As marés como factor da navegação comercial
Esta maior crescida de maré constitui uma vantagem para os navegantes pois torna mais frequentes e maiores os esteiros, que muitas vezes se tornam navegáveis até oito (quatrocentos) estádios, de maneira que, de certo modo, a crescida torna navegável toda a região e cómoda para a exportação e importação de mercadorias. (III.2.4)
- O rio Guadiana
Também o Anas é navegável mas não por barcos tão grandes nem em tanta extensão [como o Betis-Guadalquivir] (III.2.3)
... o rio Anas, que também tem duas bocas [como o Betis], com uma passagem navegável [para o interior] em cada uma delas. (III.1.9)
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