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Wednesday, February 22, 2006

OSSONOBA


A laguna de Ossonoba

O cabo dedicado a Zéfiro, chamado depois Cúneo e hoje de Santa Maria.

A primeira referência ao actual Cabo de Santa Maria provém da fonte literária desconhecida, seguramente grega, do séc. V ou VI a.C., utilizada por Avieno (séc. IV d.C.) no seu poema geográfico Ora Maritima.
Segundo este autor, o Cabo e o Monte Figo (Cerro de São Miguel) seriam dedicados ao vento Zéfiro divinizado, isto é o vento do quadrante dominante na região (Oeste), ainda hoje.

De facto, o cabo, o vento e o monte sempre tiveram papeis fundamentais no sistema de navegação regional, tema desenvolvido no post
monte-figo-ii-navegao-no-golfo.
Um esboço da história religiosa do monte, importante santuário na época romana devido à via que unia o seu cume a Moncarapacho e Balsa, faz parte da monografia "São Brás de Alportel na Antiguidade" (Luís Fraga da Silva, Tavira 2003), disponível aqui.


Na época romana o cabo é identificado com o nome Cúneo por Pompónio Mela e por Plínio. Este nome surge também como corónimo, que abrange a região adjacente ao Promontório Sacro (Kouneon em Estrabão) e a retroterra costeira do Sotavento, até Mértola (Mela).

O corónimo não terá a improvável etimologia latina de cuneus=cunha (contra o que Estrabão e Plínio afirmam) mas será, pelo contrário, pré-romano, associando-se ao étnico Kouneus (Apiano, c. 165 d.C., baseado em fontes anteriores) sendo impossível saber se deriva deste ou vice-versa.
Este étnico (que existe também sob a forma Koníois, em Políbio, c. 130 a.C.) surge em latim apenas numa fonte tardia (Cronographus de 354 d.C.), como Cunienses, numa tradução do texto grego de Hipólito (c. 230 d.C.), que, por sua vez, usa o termo Konnioi. Trata-se de um texto cristão, baseado no Génesis, que enumera os povos do Ocidente descendentes de Jafé, após a queda da Torre de Babel!
É espantoso que as designações "Conii" e "Konii", (donde provém a tradução portuguesa Cónios) largamente utilizadas na literatura, não sejam senão invenções historiográficas de latinistas, sem nenhuma abonação nas fontes!

O cabo de Santa Maria é formado por uma extensa laguna, fechada a sul por uma linha de ilhas-barreira. A sua extremidade é constituída por uma ilha de areia, de topografia muito variável devido ao regime anual das marés e do estado do mar, sendo impossível reconstituir a sua forma e extensão na Antiguidade.
Forma um conspícuo e perigoso acidente na navegação costeira, bem conhecido de todos os navegadores da zona, obrigando, a partir de Tavira ou Balsa, a uma ampla manobra de contorno pelo largo (cerca de 6 milhas náuticas na actualidade) para evitar os ventos de Oeste junto à restinga do cabo, susceptível de provocar naufrágios.
A perpendicular do Monte Figo com a costa marca aproximadamente a barra velha de Marim, que daria acesso a Ossonoba pelo lado Ocidental, através da laguna de Olhão.
Um vento de Levante conduziria rapidamente as embarcações para a costa algarvia a partir do Estreito. Porém, a ondulação que quase sempre o acompanha, inviabilizaria todos as barras do Sotavento com excepção da do Guadiana e, no Barlavento, inviabilizaria Lagos e Sagres (Balieira). No estado actual dos conhecimentos, o melhor porto-de-abrigo durante o Levante, para além da laguna de Baesuris, parece ter sido o de Farrobilhas-Ludo, hoje desaparecido, protegido pelo Cabo de Santa Maria.

É de lamentar o atrevimento grosseiro de certos comentadores das fontes clássicas, sem competência geográfica e absolutamente ignorantes da história territorial local, que colocam em questão a própria existência do cabo Cúneo nas fontes e a sua identificação com o cabo de Santa Maria, baseando-se na insignificância geográfica deste!




Reconstituição da laguna de Ossonoba na Antiguidade

Legenda
O - Ossonoba e implantação urbana de Faro
L - Esteiro do Ludo
F - Farrobilhas
Mi - Milreu e Estoi
MF - Monte Figo (Cerro de São Miguel)
M - Marim
Ol - Implantação urbana de Olhão
BF - Antiga barra de Farrobilhas/Ludo
BM - Antiga barra de Marim

Ludo-Farrobilhas
Ao longo dos séculos a colmatação sedimentar deslocou progressivamente o porto do estuário do Ludo progressivamente para a foz, até à sua extinção funcional. Na Época romana, a zona portuária situava-se ainda na área da quinta do Ludo, ao longo da linha onde a encosta primitiva se ligava ao estuário, havendo vestígios de cais romano, uma grande necrópole e de estabelecimentos de salga em terraços sobre a margem.

Seria um excelente porto de abrigo, profundo e abrigado de todos os ventos, e que, pelo menos na preia-mar, devia dar acesso a embarcações de maior tonelagem. É possível que a enseada e o porto pré-romanos se articulassem com núcleos de povoamento situados mais a montante junto dos cabeços de São Lourenço, ainda usados na Idade Média como pontos fortificados, defensivos do porto de Farrobilhas. Este topónimo parece ter-se também deslocado para Sul, acompanhando o porto, até se estabelecer já no termo de Faro, junto da antiga falésia onde hoje se encontra o aeroporto, na margem norte da antiga barra oriental da cidade. O topónimo Ludo é aparentemente moçárabe ou mesmo anterior, proveniente do latim LUTUM (lama, lodo), revelando uma tendência precoce para a colmatação do esteiro.


Ossonoba (Faro)
O nome OSSONOBA surge em Estrabão, Mela, Plínio e Ptolomeu, assim como nos Itinerários Antoninos e na Cosmografia de Ravena.

Possui cunhagens indígenas, já sob dominação romana, da 1ª metade do séc. I a.C., em que o topónimo surge em alfabeto latino sob as formas OSO, OSSO e OSVNBA.
O estudo "Novas moedas hispânicas de Balsa e Ossonoba", de Rosa e Mário Varela Gomes, Porto 1983, pode ser lido em

http://www.arqueotavira.com/Classicos/MoedasRR.pdf

O nome OSSONOBA, através de seus derivados, está igualmente abonado em cinco inscrições romanas de Faro, recolhidas em "Inscrições romanas do Conventus Pacensis" (IRCP), José d'Encarnação, Coimbra 1984:

·
RES P(ublica) OSSON(obensis)
IRCP 3, Forte da "Mesa dos Mouros", 254-255 d.C., Homenagem da cidade ao imperador Valeriano

· R(es) P(ublica) OSSONOB(ensis)

IRCP 4, Faro, sem localização, 274 d.C., Homenagem da cidade ao imperador Aureliano

· CIVITAS OSSONOB(ensis)

IRCP 7, Largo da Sé, séc. I d.C., Homenagem da cidade a um seu patrono, flâmine provincial da Lusitânia

· [O]SSONOB(ensi)

IRCP 8, Faro, sem localização, s/d, Homenagem a um flâmine e duúnviro

· [OS]SONOBENSIVM

IRCP 10, Muralha do castelo, junto à Porta Nova, final séc. II d.C., Remata um grupo numeroso de dedicantes


Etimologias

A etimologia de Ossonoba é, no mínimo, polémica, para não dizer desconhecida

1 Uma origem fenícia
A hipótese mais antiga, do séc. XVII, atribui-lhe uma etimologia semítica, ou seja, fenícia, transcrita pelo autor em caracteres hebraicos:
In Lusitania non procul ab Ana ostio maritima urbs Ossonoba: quae composita videtur ex nomine לעב Baal suppresso finali L Ossonoba לעבונשועUssanobaal, vel לעבונסה Hassanobaal (nota: necessita ter instalados caracteres hebraicos no seu computador para os visualizar!).
Na Lusitânia, não muito distante da foz do rio Ana, a cidade marítima chamada Ossonoba, cuja palavra parece ser composta do nome Baal, suprimido o L final: Ussanobaal ou Hassanobaal.
Cl. Bochart, "Chanaan", 1692, p. 603. Citado por Frei Vicente Salgado ("Memórias eclesiásticas do reino do Algarve", 1786, p. 73 e n. 16)


O Pe. José Cabrita, distinto erudito e estudioso de temas farenses, apresentou em 1970 outras hipóteses etimológicas fenícias para os topónimos Baesuris (Bait Teur), Balsa (Baal Ishã) e Ossonoba (Ossón Ebá), este último com o significado de "armazém do juncal" (jornal "Correio do Sul", Jan. e Fev. 1970).

2 Uma origem ibérica
A escola filológica mais reputada, de Adolf Schülten, Alberto Tovar e Jürgen Untermann (a apresentação de uma bibliografia, mesmo sumária, excede as pretensões deste modesto post, pelo que me limito a indicar um fio condutor: Juan García Alonso, "La Península Ibérica en la Geograf ía de Claudio Ptolomeo", Univ. del País Vasco, Vitoria 2003) atribuem a Ossonoba, assim como a todos os topónimos terminados em -OBA/-UBA uma origem ibérica, ou mais especificamente turdetana devido á sua concentração geográfica exclusiva na área da antiga Turdetânia, tendo o sufixo o significado provável de "cidade".
De facto, já Estrabão tinha chamado a atenção para a ocorrência do sufixo, ao enumerar algumas cidades estuarinas da Turdetânia: "Entre estas cidades estão Asta, Nabrissa, Onoba, Ossonoba, Maenoba e várias outras" (Geografia III,2,5).

Certos autores colocam a hipótese de ser um sufixo da língua tartéssica (falada no Sudoeste entre os séc X e VI a.C.), isto é, pré-turdetano (período este que se convenciona entre o séc. V e a conquista romana). Outros autores negam esta hipótese, pois o sufixo -OBA não surge nos topónimos registados em fontes pré-romanas, nomeadamente gregas, contemporâneas da época tartéssica.
Sendo o turdetano uma língua desconhecida, não existem traduções nem propostas etimológicas para o topónimo Ossonoba.

A semelhança assim como a proximidade geográfica costeira entre ONVBA (Onuba Æestuaria, hoje Huelva) e OSSONOBA permite conjecturar designações contemporâneas relacionadas, podendo o prefixo OSS- significar uma derivação geográfica ou fundacional.
Sabe-se que Huelva foi um grande centro tartéssico, desde o Bronze Final até ao séc. VI a.C., posteriormente abandonado ou muito reduzido em tamanho. Muitos autores associam essa cidade a TARTESSOS propriamente dita ou, pelo menos, a HARBIS descrita por Avieno (Ora Maritima 241-244) como tendo sido assolada pela guerra e abandonada após ter sido uma cidade importante.
Os nomes em -UBA/OBA podem ser assim relativamente recentes (c. séc. V a.C.) procedentes de uma ocupação turdetana das margens do Golfo (povos que surgem nas fontes greco-romanas como Bastetanos, Cilibicenos e Túrdulos, curiosamente diferenciados dos turdetanos propriamente ditos, situados mais no interior).
Esta ocupação poder-se-ia associar ao grande desenvolvimento económico da região nesta época, período de apogeu do chamado "Círculo do Estreito", centrado em Gadir e baseado no crescimento da indústria da pesca e das conservas de peixe, na abundância de cerâmicas gregas importadas em todos os pequenos portos costeiros e no uso generalizado de tipos cerâmicos e anfóricos comuns, "gaditanos" e "turdetanos".
Sem dúvida que a riqueza proporcionada por esse indústria, destinada à exportação mediterrânica, multiplicou e desenvolveu os assentamentos dispostos ao longo da rota dos atuns, designadamente no Algarve, graças à sua posição previlegiada de 1ª etapa pesqueira do atum "de direito", mais valioso, na sua migração anual do Atlântico para o Mediterrâneo.
A existência de um cimento étnico costeiro, obtido ou não por colonização pesqueira, reforçaria a coesão desta formação social dispersa, que nos surge nos sécs. II e I a.C. impregnada de símbolos culturais gaditanos nas suas emissões monetárias.
São desta época os primeiros vestígios importantes de Ipses e Cilpes (a muralha do povoado da Rocha Branca parece ser deste período) e o grande desenvolvimento urbanístico de "Tavira turdetana" após o abandono da "Tavira fenícia".

Os vestígios arqueológicos mais antigos de Faro são também do séc. V a.C. No entanto, as estratigrafias mais profundas do centro histórico (perímetro amuralhado) estão destruídas por afundamento isostático da antiga ilha e correspondente elevação relativa do nível freático subterrâneo, tendo sido até agora impossível determinar uma ocupação proto-histórica mais antiga, nomeadamente vestígios da lendária ocupação fenícia.

3 Uma origem páleo-indoeuropeia
O reputado linguísta Francisco Villar ("Indoeuropeos y no indoeuropeos en la Península Ibérica", Salamaca 2001) apresentou mais recentemente a teoria que os topónimos em -UBA/-OBA teriam uma origem indo-europeia antiga, não se limitando à Turdetânia mas tendo uma segunda área de implantação na bacia do Ebro e correspondências noutros pontos da Europa. Com o devido respeito ao autor, penso que os seus argumentos estão longe de ser convincentes pois baseiam-se na pouco fundamentada introdução de outros sufixos como equivalentes a Uba/Oba (o que lhe permite incluir o Ebro) e no muito desacreditado recurso à homofonia toponímica entre zonas geográficas distantes e não relacionadas historicamente.

Segundo este autor UBA/OBA sería um hidronímico fluvial ou marítimo, o que também não satisfaz a explicação de casos concretos como OBA (Jimena de la Frontera, Cádis), povoado de montanha sem associação hidrográfica significativa.

A origem de Ossonoba. Uma questão em aberto
O silêncio arqueológico anterior ao séc. V a.C., já referido, e o possível topónimo turdetano "recente" são parcialmente contrabalançados pelas evidências numismáticas:

· A grafia OSSVNBA, anterior às fontes escritas greco-romanas e, portanto, mais próxima da forma indígena original, sugere tratar-se de um falso topónimo em OBA, o que deixa em aberto a possibilidade de uma etimologia fenícia. De facto, casos como MENOBORA (topónimo recolhido em Hecateu, sécs. VI-V a.C.) que terá originado posteriormente MAENOBA e da própria OSSVNBA que produziu OSSONOBA na época romana, sugerem que, pelo menos, alguns topónimos em -OBA são resultado de uma convergência tardia, podendo ter uma origem anterior, proveniente de outros fundos linguísticos.

· A simbologia das moedas, que é muito variada e a mais rica dos povoados algarvios. Entre as formas conhecidas destacam-se duas de presumível origem fenícia arcaica, não gaditana, que fazem supor ou uma tradição religiosa colonial anterior ao séc. V a.C. ou, mais provavelmente, devido à abundância da símbologia, a uma importação de símbolos de outras comunidades, quiçá devida a contingentes imigrantes mais recentes:
- O touro com os luminares (com paralelos em cidades da zona do Estreito, de fundação fenícia)
- A árvore embarcada (com o único paralelo conhecido em Balsa, de que constituí uma réplica idêntica)
A interpretação destes símbolos poderá, talvez, vir a ser matéria para um futuro post e a questão da origem de Ossonoba continua entretanto em aberto, a aguardar evidências mais significativas.

A polémica sobre a localização de Ossonoba
Diversos autores consagrados, desde Garcia de Resende até ao séc. XX, localizaram Ossonoba em Milreu (Estoi) devido aos importantes vestígios romanos desde sempre aí conhecidos.

O texto de Adolf Schulten (Paulys realencyclopäedia der classischen Altertumswissenchaft, 1942), baseado numa localização epigráfica errada, teve uma grande influência na adopção internacional desta teoria.
Certos dos seus defensores (em que se destaca Ataíde de Oliveira, na sua Monografia de Estoi, 1914) não hesitaram perante as justificações mais delirantes para a ajustar às fontes literárias e à evidência arqueológica conhecida em Faro.
Assim, como Ossonoba era um porto de mar, Milreu também o seria na Antiguidade graças à navegabilidade do Rio Seco, apesar de este se situar a uma cota de mais de 50 metros e ser um riacho de regime torrencial, cujo leito dificilmente terá mais de 10 m de largura!
O comentário de Ibn Alabar (séc. XIII) sobre Xantamaria ser o porto de Ucsunuba foi também alvo de numerosas confusões e distorções, de modo a localizar a primeira em Faro e a segunda em Estoi. A colecção de lápides epigráficas e os numerosos elementos arquitectónicos romanos encontrados em Faro, como reaproveitamentos da muralha medieval, teriam sido roubados a Estoi pelos Mouros, por inveja e malvadez!
Outros autores defenderam, porém, a localização de Ossonoba em Faro, nomeadamente Leite de Vasconcelos, mas é apenas na década de 1950 que o assunto fica definitivamente esclarecido, graças a Abel Viana, baseado nas descobertas de Lyster Franco e nas suas próprias, identificando no Largo da Sé, parte do templo e edifícios do antigo fórum.

O trabalho fulcral de Abel Viana, "Ossónoba. O problema da sua localização", pode ser lido on-line em
http://www.arqueotavira.com/Estudos/Ossonoba.pdf
Entre estas descobertas destaca-se uma lápide cívica, de homenagem da civitas ossonobense a um seu patrono, acima referida, encontrada na área da sua localização original.
A aceitação final da localização em Faro por parte dos medievalistas é posterior, estabelecida por Garcia Domingues no seu importante trabalho "Ossónoba na Época Árabe", publicado como separata dos "Anais do Município de Faro"=AMF em 1972.

As descobertas sucedem-se desde então a um ritmo crescente: várias necrópoles, numerosos elementos arquitectónicos, um grande mosaico tardio e estruturas edificadas in sito. Com o actual regulamento de obras no centro urbano, as novas descobertas, devidamente registadas, ocorrem todos os anos.

Paralelamente Milreu começou a ser estudado em bases científicas (por Theodore Hauschild e, posteriormente, por Félix Teichner), revelando ser não uma cidade mas uma luxuosa villa palatina, com um extenso complexo edificado, multifuncional.
Estes dois autores publicaram recentemente uma óptima monografia de síntese divulgativa sobre o local (Milreu. Ruínas, IPPAR,
http://www.ippar.pt/pls/dippar/build_page.build_proddetail?code=9011572)


Planta da villa romana de Milreu (Estoi, Faro), levantada por Estácio da Veiga em 1877

Surgem também os primeiros trabalhos sobre Ossonoba romana, na pista do trabalho precursor de Abel Viana: José d'Encarnação, Vasco Mantas e Teresa Gamito, sendo esta autora a primeira a elaborara uma carta arqueológica da área urbana ("Um prato da oficina de CN Ateius achado em Faro", AMF-1976), já incompleta na data da sua publicação. Uma versão mais recente foi apresentada por Rui e Frederico Paula em "Faro- Evolução Urbana e Património" (Faro, 1993), livro que é, até hoje (2006), a mais importante obra sobre a história do urbanismo desta cidade.

Vasco Mantas é o autor do primeiro modelo de restituição da forma urbana ("Arqueologia urbana e fotografia aérea. Contributo para o estudo do urbanismo antigo de Santarém, Évora e Faro"; 1986, seguido de "As cidades marítimas da Lusitânia"; 1990 e de "As civitates: Esboço da geografia política e económica do Algarve romano", 1997), discutido e completado pontualmente por outros autores, em que se destacam J Bernardes e L Oliveira na sua demonstração do percurso da via romana que saía de Ossonoba na direcção a Estoi e São Brás de Alportel ("A 'Calçadinha' de São Brás de Alportel", C.M. São Brás de Alportel 2002).

Deve ainda referir-se que, apesar da localização de Ossonoba ser hoje uma das poucas indiscutíveis certezas do Algarve Romano, não faltam ainda caturras locais e neo-ignorantes que insistem nos velhos erros. É também de lamentar a preguiça bibliográfica de certos autores espanhóis contemporâneos, que continuam a repetir teses há muito ultrapassadas (localizando Ossonoba "nos arredores de Faro" e em "Olhão"!!) , o que desabona a qualidade da sua investigação.


O sítio de Ossonoba
Ossonoba desenvolveu-se num arquipélago de ilhas junto à margem continental, correspondendo a maior ao núcleo do actual centro histórico medieval. A Norte, situavam-se dois cabeços localmente importantes, Alto de Rodes e Alto (Santo António), que separavam o povoado proto-histórico insular, da Campina que se estende até à Serra do Monte Figo.
É provável que o Alto de Santo António tenha constituído um oppidum elevado, em complemento do povoado insular portuário, menos defensável.
Parte do seu sucesso como porto-seguro provém do labirinto de canais por entre o sapal, que protegia o acesso ao povoado, tornando difícil a navegação sem piloto e facilitando a instalação de um sistema defensivo contra as abordagens marítimas. A existência de duas barras independentes, a Ocidente (de Ludo-Farrobilhas) e a Oriente (de Marim), melhorava consideravelmente as condições portuárias, aproveitando as conjunturas de ventos e as correntes dominantes.

Junto à cidade, o porto interior dividia-se em duas enseadas: uma ocidental, na foz da ribeira do Patacão, na área da actual marina e jardim e outra, oriental, no estuário do rio Seco, sobretudo na enseada hoje ocupada pelo largo de São Francisco.
Esta configuração portuária e territorial permite propor uma existência e aproveitamento contemporâneos do povoado fenício de Tavira, embora, como já disse, não se conheçam vestígios arqueológicos desse período (sécs. VIII a VI a.C.).

Uma reconstituição do povoamento romano, da zona de centuriação rural e da rede viária de Ossonoba, (Luís Fraga da Silva 2003), já um pouco ultrapassada mas ainda a mais completa, pode ser vista em

http://www.arqueotavira.com/Sao-Bras/SBA-MapasPDF/Mapa5.pdf

Reconstituição da geografia costeira dos arredores de Ossonoba, na Antiguidade


A cidade romana de Ossonoba
O mapa seguinte constitui uma primeira versão de reconstituição inédita do urbanismo romano de Ossonoba, sobreposto à estrutura urbana actual de Faro. O tema será desenvolvido, em breve, no site
www.arqueotavira.com, do Campo Arqueológico de Tavira (Tavira, Algarve, Portugal).





Marim e laguna de Olhão
A relevância portuária de Marim provém da sua proximidade da melhor barra natural que dava acesso à laguna de Olhão e, através dela, ao canal oriental de Ossonoba. A sua existência como pequeno embarcadouro está documentada na Época Romana, com actividade industrial e provavelmente piscatória, servindo igualmente de porto à villa palatina ou vicus de Marim. A actividade conserveira, manifestada sob a forma de cetárias, devia estender-se ao longo da margem interior, até Olhão, pois têm surgido os seus vestígios neste percurso.

No século XVII o sítio aparece documentado ainda como villa Marim e situado na ilha-barreira (Pedro Texeira, minuta e mapa do Sul de Portugal, 1634) , que entretanto se colmatou e fundiu com o Continente:

Desta çiudad [Faro] y su puerto vna legua y media al leuante, como sienpre ba la costa, en la punta de la parte del leuante de la ysla que aquí le está frontero está hun lugar que llaman Villamarín. situada en la arena, de que es toda esta ysla, junto a un canal que entra azia la tierra que llaman Genaro. Y pasado éste está luego otro que llaman Bias. De Villamarín dos leguas y media está la barra del puerto de la siudad de Tauira.

O mapa de Pedro Texeira, de 1634, com o topónimo, é visível em http://www.arqueotavira.com/Mapas/Texeira/Sul-Portugal-300dpi-web.pdf
Marim corresponde a um importante sítio arqueológico romano, grande villa marítima que sobreviveu para além do séc. IV, sendo aí identificado um templo páleo-cristão, situação pelos vistos comum nas grandes villae tardo-romanas do Algarve.

O topónimo corresponderá ao nome do possessor no Baixo-Império ou Antiguidade Tardia. (segundo Maria Alice Fernandes seria provavelmente Marini, genitivo do cognome Marinus).

A laguna de Olhão, que se prolonga entre Ossonoba e a Fuzeta, tem sido sede de numerosos pequenos povoamento piscatórios, que originaram outros tantos varadouros pouco importantes. As condições climáticas do canal da ria são propícias a raros mas muito violentos temporais de Sudoeste, o que, com a ausência de portos-de-abrigo naturais, fez com que nunca se desenvolvessem estruturas portuárias apreciáveis até muito recentemente.
O seu povoamento Proto-Histórico é desconhecido, embora as condições lagunares e a sua riqueza produtiva proponham uma ocupação sazonal contínua.

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