As actividades culturais no Algarve nunca tiveram, como hoje, um destaque tão relevante na agenda sociopolítica e financeira da Região.
As suas manifestações têm crescido em qualidade, sofisticação profissional e em interesse por partes crescentes de público.
A cultura artística apresenta-se mais pujante que nunca em todas as suas manifestações, destacando-se também o vigor das culturas ecoambiental, patrimonialista e literária.
Neste cenário francamente positivo, a cultura do conhecimento histórico é a parente mais pobre.
Sem chegar a ser individualizada como tema específico da esfera cultural, são virtualmente ignorados os agentes culturais que a promovem enquanto tal. Estes são, quando muito, formatados como "produtores de conteúdos", matérias-primas secundárias da esfera hipertrofiada do patrimonialismo, isto é, da "gestão cultural" dominada pelos eventos mediáticos, pela engenharia da captação de fundos, pelo marketing da imagem e – sobretudo - pela construção de infra-estruturas.
A nível regional e local, a dinâmica de emprego, de interesses e de investimentos nos patrimónios e técno-patrimónios erradicou quase integralmente o conhecimento histórico, à custa da integração das técnicas periciais e de algumas das ciências auxiliares da História, oportunamente convertidas em tecno-actividades "do património".
A negação ou incapacidade em assimilar o conhecimento histórico e histórico-geográfico tem conduzido ao agravamento da presente tendência de multiplicação de iniciativas museológicas ou de recreação cultural, em que a crescente elaboração formal e material se acompanha por um esvaziamento ou alienação do significado histórico que pretensamente celebram, traduzidos em indigência e falta de rigor reconstitutivo e interpretativo.
Como consequência, o culturalismo espiritualista, o esteticismo formalista, o tecnicismo pericial esterilizante, o paroquialismo identitário e as fantasias audiovisuais de parque temático tendem já hoje a preencher o vazio deixado pela ausência do conhecimento científico de âmbito histórico-geográfico.
Porém, o conhecimento científico da História e do território histórico regional continua a ser um factor essencial para a contextualização e interpretação de conhecimentos empíricos da maior parte ou da totalidade dos sectores culturais.
O conhecimento histórico permanece também um elemento essencial na fundamentação de estratégias de intervenção socioeconómica e cultural, com destaque para o ensino, para o planeamento territorial e para a didáctica de numerosas actividades, incluindo as da fileira patrimonialista.
Permanece, finalmente, uma temática que desperta grande interesse junto de um público muito alargado, que tenta compensar a omissão dos curricula escolares e a falta de respostas dos "eventos culturais" através do consumo crescente de novelas e filmes históricos.
Parcelização municipal do território e do conhecimento
No Algarve é hoje virtualmente impossível desenvolver projectos de investigação e síntese de âmbito regional ou supra-regional sobre temáticas histórico-geográficas, por falta de entidades interessadas e promotoras.
Não existem publicados nem fundos de documentos históricos nem sínteses históricas, nem gerais nem de nenhum período concreto, com excepção da história contemporânea. As obras mais importantes permanecem sem edições críticas e, na sua maioria, esgotadas ou mesmo inéditas.
Não existem bibliotecas especializadas e actualizadas dignas desse nome, nem meios de aceder aos caríssimos repositórios electrónicos internacionais de publicações nas áreas de Humanidades e das Ciências Sociais Históricas.
Deixou de existir, ou nunca houve, espaço público para a investigação do passado e da história da Região, sobretudo para o conhecimento da sua história territorial e para as épocas menos "patrimonializáveis" ou mais distantes.
Sofrem sobretudo os trabalhos de investigação baseados em dispositivos e fontes, produtores de elementos intermédios e de sistemas de referência, de carácter mais moroso e dispendioso, dificilmente enquadráveis em curricula académicos e em recursos financeiros pessoais.
Sofre também o conhecimento de certas épocas históricas, com destaque para a Antiguidade Romana, virtualmente desconhecida a nível regional, ideologicamente fora de moda, sufocada pelo empirismo arqueológico de índole tecnicista e, last but not least, não rendível em termos políticos e económicos ou que entra em conflito
mais frequentemente com grandes projectos imobiliários.
A nível local, as Câmaras Municipais monopolizam hoje, de modo virtualmente total, os meios financeiros e os interesses editoriais, dirigidos e limitados aos seus estritos territórios concelhios. Se é de louvar o enorme aumento dos estudos locais patrocinado pelos municípios, tratam-se infelizmente de iniciativas esporádicas e de âmbito local, de valor científico muito desigual e dificilmente integráveis em quadros de referência regionais.
Nos melhores casos – que constituem uma pequena minoria - são resultantes de ocasionais provas académicas sobre temas concelhios, que as Câmaras se limitam a publicar e a usufruir do prestígio daí decorrente, sem ter de investir um cêntimo na sua investigação. Estes estudos reflectem maioritariamente a tendência actual da investigação universitária para a história contemporânea e para temas de história de arte.
Na maioria dos casos, porém, as predilecções sociopolíticos locais, voltadas para temas de nostalgia quase contemporânea e para a rentabilização turística imediata, favorecem os estudos de teor limitado, geralmente baseados em concepções estreitas de património cultural que se consubstanciam: ou na ressuscitação do "tradicional" e roteirização do "visitável"; ou no arqueologismo tecnicista que ombreia com o didactismo histórico mais pueril e superficial.
O indispensável papel dos promotores regionais
Paralelamente à esfera municipal, as raras grandes empresas e instituições públicas e privadas da Região – em que incluo o Turismo do Algarve - participam muito pouco na cultura do conhecimento e raramente arriscam fora dos domínios do prestígio luxuoso; do patrimonialismo turístico e, sobretudo, dos grandes eventos mediáticos.
Existe porém no Algarve um número de instituições regionais, que ocupam um lugar supra concelhio privilegiado e em cujo âmbito de actuação se concentra ou inclui a esfera cultural
É nomeadamente o caso da Direcção Regional da Cultura, mas também da C.C.D.R.-Algarve, da Associação de Municípios do Algarve e do Parque Natural da Ria Formosa.
Estas instituições estão numa posição única para promover uma multiplicidade de projectos de conhecimento histórico, tanto nas áreas de investigação como nas de publicação e divulgação.
Incentivos a projectos de conhecimento histórico-geográfico
Refiro-me a projectos de pequenas dimensões, centrados em objectivos específicos, a desenvolver em prazos limitados e com baixos custos financeiros, produzidos por investigadores individuais, parcerias pessoais ou associações de investigação.
As opções são numerosas, considerando a título de exemplo:
- Aquisição e cedência de fundos e recursos documentais digitais, existentes em organismos públicos e bibliotecas.
- Disponibilização de recursos editoriais electrónicos internacionais especializados.
- Promoção de repositórios electrónicos em sites da Internet especializados. Digitalização e tradução de obras para publicação digital.
- Encomenda de obras originais sobre temas específicos e respectiva publicação, com destaque para os temas de história regional.
- Publicação convencional de trabalhos realizados ou em vias de conclusão, nomeadamente de fontes historiográficas, documentos cartográficos, catálogos especializados e de obras de síntese.
- Promoção de programas de conteúdos históricos de qualidade para centros interpretativos ou monumentos já existentes.
- Organização de uma revista regional e de uma estrutura regional de publicações e conferências dedicadas a temas histórico-geográficos com uma base periódica regular.
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