As redes viárias são um dos elementos geográficos mais representativos de persistência funcional geocondicionada, no âmbito de um quadro histórico pré-industrial. No Sul de Portugal este quadro milenário prolonga-se desde a Proto-História até meados do séc. XIX e muitos dos seus elementos fósseis sobreviveram até c. 1980.
A continuidade de uso e a manutenção das suas marcas tornam estas uma fonte insubstituível de informação histórica sobre as redes viária de um passado muito mais antigo.
Perfil funcional
Em cada época é teoricamente possível atribuir um perfil funcional aos itinerários mais significativos da rede viária então activa, segundo uma tipologia comum a toda a longue durée pré-industrial.
Esta é caracterizada no Sul de Portugal por:
- Conjunturas políticas de periferia tributária relativamente a Estados Centrais;
- Formas de organização administrativa territorial com três ou quatro níveis: "provincial", "municipal", "paroquial" e "comunidade rural".
A tabela seguinte apresenta uma classificação funcional dos itinerários segundo os seus usos dominantes. As redes viárias em que os itinerários se realizam podem então assumir um perfil factorial, segundo o tipo ou tipos de itinerários mais importantes:
Geopolítica | Estabelecimento de soberania | Invasão. Conquista |
Resistência a invasões | ||
Controlo territorial interno | ||
Defesa do perímetro territorial | ||
Geoeconomia | Polaridades sub e supraregional de economias de vizinhança: agricultura, pecuária, pesca, materiais básicos | |
Escoamento de recursos geocondicionados que marcam os termos de troca regionais e definem nodos e interfaces de trânsito em determinadas épocas | ||
Administração Central | Fiscal. Redes de centralização e de exportação de massa tributária em espécie ou géneros | |
Judicial e política. Itinerância sazonal de funcionários e condenados. Rotas regionais de trânsito judicial | ||
Sistemas de informações do Estado e infra-estruturas de serviços de comunicações | ||
Itinerância religiosa | Peregrinações | |
Rede de lugares centrais regionais | Acessos entre lugares centrais: centros de poder urbano e de agências do Estado Central | |
Acessos intermunicipais e equiparados | ||
Acessos dos núcleos de povoamento rural e lugares de produção de nível sub-municipal. | ||
Economias de subsistência | Redes cadastrais, do parcelário coercivo de culturas e das passagens de gados |
Fases históricas. Sistemas viários.
No Sul de Portugal pode definir-se uma sequência de fases históricas, segundo a existência de sistemas viários específicos quanto às hierarquias e fluxos de usos, relacionadas com quadros particulares de poder político:
REDE VIÁRIA | Fontes essenciais | Cronologia | ÉPOCA |
Pré-Romana | - | 200 a.n.e. | Proto-História |
Romana (Conquista) | - | 200-70 a.n.e. | Romana e pós-romana |
Romana (Pacificação) | - | 70a.n.e.-14 n.e. | |
Romana (Administração Provincial) | Itinerário de Antonino Ravennate | 14-410 | |
Islâmica pré-Almorávida | - | 410-1100 | Medieval Islâmica |
Islâmica tardia | Idrisi | 1100-1300 | |
Da colonização portuguesa | - | 1300-1570 | Medieval e Renascentista |
Pré-pombalina | Baptista de Castro Allard | 1570-1755 | Antigo Regime |
Pré-Liberal | Sande Vasconcelos Carpinetti Neele, etc. Silva Lopes | 1755-1850 | |
Liberal | CCP (Filipe Folque) | 1850-1920 | Liberalismo e Estado Novo (Rede tradicional) |
Estado Novo | CMP 1ª Edição | 1920-1960 | |
Rede modernizada antes da UE | CMP 2ª Edição | 1960-1985 | Contemporânea |
Rede modernizada depois da UE | CMP 3ª Edição | 1985-2010 |
O Antigo Regime.
A documentação especializada sobre as redes viárias pré-contemporâneas do Sul de Portugal não é anterior à 2ª metade do séc. XVII. As fontes existentes entre esta época e 1950 permitem reconstituir com bastantes rigor a rede viária articulada com o povoamento paroquial em meados do séc. XVIII, antes das transformações pombalinas.
Essa rede corresponde à maturação da rede formada como resultado da colonização rural portuguesa – cujas marcas viárias não deverão ser anteriores a c. 1400 – acrescentada pelos eixos geopolíticos e administrativos desenvolvidos a partir da restauração da independência.
Sob a rede da colonização jaz o palimpsesto das redes islâmicas, em que se podem identificar apenas as directrizes dos eixos das redes provincial, interurbana e –em alguns casos - dos territórios de encastelamento.
A problemática da reconstituição das redes viárias romanas será tema de outros posts.
As necessidades técnicas de transporte alteram-se progressivamente a partir do séc. XVII, com aumento crescente da importância dos trens atrelados, em detrimento dos animais de carga, que contudo continuam a ser utilizados em grande escala nos trânsitos rurais e trans-serranos. São sobretudo as novas necessidades militares (transportes de artilharia e de trens de abastecimento ) e administrativas (correio de informações político-militares e circulação de agentes) que fomentam a modernização e sistematização das redes viárias num novo quadro moderno e iluminista, característico do apogeu do Antigo Regime.
Vulgarizam-se assim nesta época os investimentos públicos em infraestruturas viárias ao longo de eixos estratégicos e de ligações entre centros urbanos principais. Pela primeira vez desde a Época Romana reintroduzem-se extensivamente perfis e pavimentos adequados ao trânsito carroçável pesado, assim como pontes, pontões e passadeiras que permitem a passagem regular em todas as estações.
Fontes documentais históricas
Uma consequência destas políticas foi o aparecimento de documentação de uso oficial, sob a forma de roteiros e cartas geográficas, fundamentais para o seu conhecimento e reconstituição históricas.
O diagrama seguinte sintetiza as fontes geográficas principais sobre a rede viária do Sul de Portugal, mostrando as suas relações bibliográficas, o seu tipo e o nível de detalhe e precisão do seu conteúdo:
Álvaro Seco
Pedro Texeira Albernaz
Karel Allard
Johann Baptiste Homann
João Baptista de Casto
Ver mapa e roteiro aqui
João Silvério Carpinetti, sobre base geográfica de Charles de Granpré
João Silvério Carpinetti, sobre base geográfica de Charles de Granpré
Tomás López de Vargas y Machuca
Samuel John Neele
Willian Faden
João Baptista da Sliva Lopes
Filipe Folque
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