Portus Hannibalis é identificado no Algarve apenas por Pompónio Mela (De Situs Orbis, III,1):
In Cuneo sunt, Myrtili, Balsa, Ossonoba; in Sacro Lacobriga, et Portus Hannibalis; in Magno, Ebora.
André de Resende (Antiguidades da Lusitânia, 1593) foi o iniciador da polémica sobre a localização de Portus Hannibalis em Alvor, devido à identificação das ruínas de Alvor Velho, que atribuiu aos cartagineses.
O assunto tem sido debatido desde então, sem grande sucesso pois nenhum dado posterior veio clarificar significativamente a questão.
Sintetizamos aqui o estado actual da polémica.
Copyright El Atlas del Rey Planeta, Ed. Nerea 2002
1 Sagres: Terçanabal < *dársen'Anibal
Portus Hannibalis pode ter sido apenas o porto de espera de Sagres, segundo o sentido da etimologia de Terçanabal, (*dársen'Anibal)
A travessia do promontorium Sacro poderia obrigar, como sucedeu até aos tempos modernos, a longas esperas num porto do Barlavento, até que os ventos permitissem um contorno do cabo pelo largo, não só evitando o Oeste contrário, antes do cabo, como o Norte logo após a sua travessia.
O uso da baía de Sagres como porto-de-espera na Antiguidade era assim praticamente inevitável, devido às suas condições únicas junto do Cabo de São Vicente. O seu controlo seria de importância estratégica primordial no acesso à rota atlântica, incluindo ao vale do Tejo (em 212 a.C. os almirantes cartagineses Magon Barca e Asdrúbal Giscon invernaram as suas esquadras, respectivamente no Algarve e no Tejo: Políbio, Histórias, X,7,5)
Fontes renascentistas (IRIA, Alberto: Itinerário do Infante D. Henrique no Algarve, Faro 1960, p. 36,49) indicam a manutenção desta função de porto-de-espera e a criação de infra-estruturas pelo Infante D. Henrique no sítio de Terçanabal, hoje associado à baía de Sagres-Mareta (ou de Belixe, em caso de Levante) junto a Sagres.
A etimologia portuguesa transparente "terçã naval", indicada para este topónimo (devida às grafias alternativas terçanaavall, em 1459, e Terça Naval em 1505) , é anacrónica (contra IRIA idem, p. 49-50) pois ele surge já na Narrativa do cruzado anónimo sobre a conquista de Silves (1189), anterior ao domínio português, com a ortografia carphanabal, que deve ser interpretada como *tarfanabal.
Por seu lado, a evolução *tarafnabal < *tarfanabal, com o significado de cabo (a ponta de Sagres), é inadequada (contra Fernandes Lopes, em IRIA ibidem p. 49) pois sabemos que essa ponta se designava na época islâmica por *taraf al-minar, a partir do seu nome Trasfalmenar, ainda utilizado no Séc. XV. (IRIA ibidem, p. 22-23).
A etimologia mais provável é *dársen'Anibal < *tarfanabal < Terçanabal
Baseia-se na proposta ouvida a Adel Sidarus, aqui apresentada com a grafia dársena, (segundo Federico Corriente. Diccionario de arabismos y voces afines en iberorromance, Madrid 1999: 231, verbete arsenal).
O étimo árabe original seria *Daar'sinnat Hannibal (Informação de Abdallah Khawli) e corresponde a uma notável tradução árabe literal de Portus Hannibalis
Este topónimo indica a presença de um porto militar (arsenal) no local, e pode basear-se em elementos desaparecidos ou ser apenas uma interpretação posterior, contemporânea da época islâmica.
2 Ipses ou Portus Magnus ?
Devemos considerar igualmente a hipótese mais comum de Portus Hannibalis se tratar de um porto de Inverno para as esquadras cartaginesas. Nesse caso teria de ser um dos três portos-de-abrigo do Barlavento: Lagos, Alvor ou o Portimão, na vizinhança do porto-de-espera de Sagres.
Seguindo a ordem geográfica de Mela, de Ocidente para Oriente, o porto localizar-se-ia a Leste de Lacobriga (ver post mais abaixo).
- Se aceitarmos a hipótese de Lacobriga se localizar em Aljezur, então Portus Hannibalis seria quase certamente em Lagos, por ser o porto-de-abrigo mais próximo de Sagres e por a sua topografia antiga se ajustar modelarmente à tradição naval púnica., com canais de acesso, portos interior e exterior e ilhas atracáveis numa enseada interior.
- Se, pelo contrário, aceitarmos a identificação tradicional de Lacobriga com Lagos, então a localização de Portus Hannibalis permanece em aberto entre a laguna de Ipses e o futuro Portus Magnus, ambos com condições para manter segura uma esquadra (ver posts respectivos, mais abaixo).
Neste caso, é porém menos provável que Ipses tenha sido Portus Hannibalis, pois mantém o nome indígena anterior após a derrota cartaginesa, enquanto que Portus Magnus é um topónimo romano, posterior a essa derrota, que pode ter sido criado pelos vencedores para substituir a antiga designação.
Seguindo esta linha de raciocínio, o facto de Mela referir ainda o nome antigo, significa talvez que a mudança toponímica se terá realizado apenas numa data posterior à sua obra (escrita em 43-44 d. C.).
este blogue começa com uma declaração de humildade, mas cuidado! é dos lugares da net que vale a pena frequentar. vou mantê-lo debaixo de olho. é que, ainda por cima, está repleto de bom senso.
ReplyDeleteParabéns pelo trabalho que nos oferecem.
ReplyDeleteGostava contudo de acrescentar uma outra possibilidade para a origem de Terçanabal:
“Terçanabal” deve ter origem na expressão fenícia
T’RS’NABALU
Cuja tradução é a seguinte:
T’R – dar a volta, encurvar, dobrar
S’N – estar tranquilo, seguro
ABALU – trazer, levar, carregar (termo que está na origem do nosso verbo “abalar”)
Portanto
Era certamente conhecido entre a população local como o local onde se esperava para “Abalar seguro a dobrar (o cabo)”, ou “Abalar tranquilo a dar a volta (ao cabo)”.
Fernando Almeida