O diagrama e a tabela sintetizam, de forma muito sucinta, as principais linhas de evolução linguística e cronológica dos topónimos meridionais, desde a 1ª Idade do Ferro até à actualidade. Reporta-se ao território actual do Algarve e regiões vizinhas.
O diagrama representa o percurso transformativo e as influências linguísticas sofridas por topónimos sobreviventes desde a época da sua criação até à sua atestação escrita, que pode ocorrer em períodos tardios e em línguas distintas da original.
Época histórico- Linguística | Línguas | Registo nas fontes Fenómenos linguísticos mais importantes | Fontes coevas | |
Pré-romana | Idade Bronze | Fenício | Topónimos | - |
Tartéssico | ||||
Idade Ferro | Turdetano | Topónimos e antropónimos | ||
Celta | ||||
Púnico | ||||
Grego | Helenização ou tradução de étimos não gregos | Gregas | ||
Romana | Latim | Nova toponimização do território Latinização de étimos não latinos | Greco-Romanas | |
Grego | Helenização e tradução do latim ou de étimos indígenas | |||
Latim popular | Degeneração linguística do latim clássico | Epigrafia latina | ||
Tardo-Antiga | Romance | Latim popular após o fim do domínio romano | - | |
Visigodo | Limitada a topónimos, sobretudo antropotopónimos | |||
Latim visigótico | Limitado a topónimos. Ausência de fontes regionais | Tardias | ||
Outras línguas dos povos das invasões | Duvidosos. Antropotopónimos | - | ||
Grego bizantino | Bizantinas | |||
Islâmica | Moçárabe | Hagiotopónimos cristãos, revelando lugares de culto visigóticos (séc. VIII-X) Nova toponimização do território Línguas germânicas pré-islâmicas e antropónimos germânicos em formas híbridas romances e moçárabes Formas moçárabes e híbridos moçárabes arabizados de étimos pré-islâmicos Arabizações e traduções árabes de étimos pré-islâmicos | Árabes Moçárabes | |
Árabe | ||||
Berbere | ||||
Línguas de grupos étnicos orientais | ||||
Latim medieval anterior ou contemporâneo da conquista | Latinização dos anteriores | Portuguesas Europeias | ||
Portuguesa | Latim medieval | Nova toponimização do território Integração do Moçárabe no Português Evolução e normalização da língua | Portuguesas | |
Português medieval | ||||
Português intermédio | ||||
Português moderno |
Topónimos pré-romanos
Pré-existentes no início da conquista romana (cerca de 200 a.C.), nomeadamente das línguas indígenas, das línguas de colonização e das corografias gregas pré-romanas.
Os topónimos de fontes pré-romanas, em escasso número mas de grande importância corográfica, foram na sua maioria posteriormente traduzidos do grego em latim ou latinizados a partir dos nomes indígenas originais.
Identificam-se pela sue ocorrência em fontes anteriores à conquista romana ou, sobretudo, por uma atestação directa nas fontes greco-romanas posteriores à ocupação, associados a etimologias não latinas.
Certos casos podem corresponder a uma tradução latina de topónimos anteriores ou a uma adaptação latina por convergência fonética, tendo desaparecido as formas originais.
Podem surgir atestações tardias de formas evolutivas, que confirmam atestações anteriores.
Outros casos ainda, mais problemáticos, correspondem a topónimos sobreviventes sem atestação directas nas fontes greco-romanas, não pertencendo a estratos linguísticos posteriores, e cuja reconstituição etimológica produz étimos não latinos atestados em fontes greco-romanas noutras regiões, acompanhados de vestígios arqueológicos compatíveis com essa etimologia.
A etimologia e a própria pertença linguística dos topónimos pré-romanos é um assunto que está longe de um consenso académico. De um modo geral considera-se que estes topónimos provêm de cinco grupos linguísticos, falados no sudoeste peninsular antes da conquista romana:
Línguas do Bronze final
- Fenício. Linguagem de colonização oriental, não autóctone. Manifesta-se na toponímia antiga, em assentamentos e lugares religiosos de fundação fenícia nos séculos X a VI a.C.
- Tartéssico. Linguagem hoje quase desconhecida, falada no Sudoeste peninsular entre o Sado e o Guadalquivir, nos séculos X a VI a.C.
Línguas da Idade do Ferro
- Turdetano Ocidental. Linguagem mal conhecida, falada no Sudoeste peninsular nos sécs. V a II a.C. na actual Andaluzia e em parte do Algarve, deixando marcas posteriores na toponímia semi-romanizada.
- Celta. Grupo de linguagens provavelmente não homogéneas, falada entre o Tejo e o Guadiana e em diversas áreas da actual Andaluzia, nos sécs. VI a I a.C., deixando marcas posteriores na onomástica pessoal e toponímia.
- Púnico (cartaginês). Linguagem de colonização cartaginesa, de origem fenícia, temperada com influências norte-africanas nas zonas de ocupação agrária (fora da nossa zona de estudo). A sua difusão corresponde ao séc. III a. C. Deixou marcas posteriores na toponímia e, sobretudo, na onomástica pessoal de raiz mauritano-púnica
Topónimos da Época Romana
Formados durante o domínio romano (de 200 a.C. até 411 d.C.), na sua imensa maioria latinos, talvez uma ínfima minoria grega e ainda os produtos da latinização de topónimos dos estratos linguísticos mais antigos.
A cronologia da sua formação dentro da época romana é relativa e muito mal conhecida, ajustada à datação das fontes onde o termo surge pela primeira vez. Certas formas de assentamento são reveladoras dos grandes períodos da sua constituição.
Topónimos da Antiguidade Tardia
Topónimos tardios ou Tardo-Antigos são os formados após a queda do poder romano no Sul da Lusitânia (410) e antes da conquista islâmica. (714) Incluem também topónimos anteriores, sujeitos geralmente a uma evolução linguística regional, que foram recolhidos em fontes Tardias.
Este período, muito mal conhecido no Sul de Portugal, corresponde a quatro fases políticas:
- Grandes invasões. Fase de destruições e abandonos, provocados essencialmente, segundo se pensa, por razias vândalas e suevas. Esta fase conjuga-se com a segunda e refere-se sobretudo à época de 410-c. 460
- Manutenção geral do poder local tardo-romano, com permanência da ocupação (ou reocupação) de uma parte das villae tardias: c. 460-c. 552
- Domínio bizantino e zona de guerra bizantino-visigótica, abrangendo a zona entre Beja e a costa algarvia. c. 552- 630
- Domínio visigótico: 630-711
Pensa-se que a formação de novos topónimos não terá sido significativa no período 1
Os topónimos algarvios de origem bizantina, correspondentes à fase 3, são raros e apenas hipotéticos. O seu estudo não é abordado neste trabalho.
A fase 4 terá sido a mais importante quanto à formação de novos topónimos, nomeadamente os de raiz germânica.
Pensa-se que os topónimos de villae de possessores em -ana e -im sejam romanos e tardo-romanos, embora haja a possibilidade de alguns deles serem de formação mais tardia. Este tema é assunto de um estudo em curso, de Maria Alice Fernandes.
As fontes literárias utilizadas, contemporâneas deste 4° período, são apenas duas: a "divisio Wambae" e a "Cosmographia Ravennae", pouco produtivas na área de estudo (6 topónimos).
- Os topónimos da Antiguidade Tardia, até à conquista islâmica, nomeadamente em latim popular tardio (romance meridional, designado como moçárabe após 714), dos grupos linguísticos não latinos posteriores ao fim do domínio romano (grego bizantino, visigótico e outras línguas da época das invasões) e das fontes escritas greco-latinas tardias.
O moçárabe continua a constituir novos topónimos (já sob domínio islâmico) até pelo menos ao séc. X, pelo que é geralmente impossível distinguir os constituídos antes e após 714. Excluindo formas linguísticas e corográficas próprias da Antiguidade Tardia, é quase sempre impossível determinar se os topónimos fósseis de etimologia latina deste estrato histórico-linguístico são formações coevas ou evoluções linguísticas de topónimos mais antigos, da época romana propriamente dita. Resolveu-se, assim inclui-los a todos, com a devida ressalva.
Um pequeno grupo de topónimos ocorre ainda em latim, em fontes escritas tardias, isto é, produzidas após a queda do império romano do Ocidente e antes da invasão árabe (de 411 a 711 d. C.). Correspondem a formas de evolução linguística do latim tardio e identificam topónimos já conhecidos de fontes anteriores e outros originais, ignorando-se neste caso se correspondem a nomes da época imperial ou a novos lugares surgidos nos sécs. V a VII.
O maior número de topónimos da época romana e tardo-antiga surge apenas em fontes de épocas pós-romanas, nomeadamente árabes, latinas-medievais pré-portuguesas e portuguesas, em fase antigas e modernas da evolução da língua.
Esses topónimos, latinos ou latinizados, recolhidos em fontes pós-latinas, sofreram uma transformação linguística mais ou menos forte, dependente do estrato linguístico e da fase histórica em que foram recolhidos.
Topónimos Tardios e Moçárabes
É impossível, no estado actual do conhecimento, distinguir entre formas toponímicas tardias de etimologia latina das formadas nos primeiros séculos do domínio islâmico, podendo apenas estas últimas ser designadas por moçárabes.
Os topónimos atestados com formas arabizadas e híbridas de etimologia latina ou germânica são obviamente moçárabes, mas desconhece-se se se tratam de formações toponímicas anteriores que sofreram modificações linguísticas ou de novas formações posteriores ao início do domínio islâmico.
O mesmo se passa com as formas latinas moçárabes não arabizadas, que, mais provavelmente terão uma origem tardo-romana, sendo por nós consideradas como tal.
Toponimização cristã
A formação histórica de hagiotopónimos territoriais paleocristãos é um processo bastante tardio, que se inicia apenas no séc. VII (ver Stacio Sacra no meu estudo Marim Romano).
Até aí a hagionímica limitava-se à identificação dos lugares de culto. Este processo de toponimização religiosa ter-se-á intensivado e difundido durante os primeiros séculos do domínio islâmico (séc. VIII a X), constituindo em meu entender uma forma específica de apropriação simbólica do território e de identificação de comunidades cristãs moçárabes, em torno dos seus lugares de culto.
As fontes árabes e a reconstituição linguística da toponímia árabe permitem identificar alguns desses hagiotopónimos no Algarve islâmico: Santa Maria, São Brás, São Julião, Santa Inês. Outros são atestados apenas após a conquista portuguesa, como São Clemente, São Faustino, Santa Luzia, Sant'Ana, Sant'Antão, São Mamede, São Pedro, São Marcos, São Lourenço e Cristo/Salvador, todas elas entidades do culto moçárabe e, portanto, com provável ou possível toponimização anterior.
Muitos outros casos são duvidosos, pois poderão ter-se-ão originado já após a conquista portuguesa. Destaco apenas os casos mais evidentes de São Vicente, São Sebastião, Sant'Iago, São Lázaro, São Roque, Santo Estêvão e dos epítetos marianos, devido ao seu recrudescimento específico como fenómeno da colonização portuguesa ou de modas religiosas posteriores, não podendo ser aceites as suas atestações posteriores como prova de antiguidade.
Topónimos arabizados
Alguns topónimos romanos importantes são referidos em fontes árabes ou na tradução latina medieval destas.
Uns são resultantes da evolução de topónimos já atestados em fontes clássicas.
Outros são, porém, primeiras atestações, identificáveis pela sua não etimologia árabe ou berbere, pela sua etimologia latina, ou, em certos casos, por um provável paralelismo etimológico de raiz pré-romana.
Topónimos portugueses
São os topónimos remanescentes, que surgem sob formas latinas fósseis ou transformadas pela evolução da língua.
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